O otimismo econômico está entrando em colapso em todo o mundo, e a América Latina registrou um dos maiores declínios em meio à polarização generalizada, de acordo com o Edelman Trust Barometer 2023. Para os executivos do setor de serviços financeiros da região, isso representa uma oportunidade única e importante para aumentarem a confiança enfatizando a resiliência do sistema, fortalecendo relações geopolíticas estáveis, criando oportunidades regionais e colaborando com o governo para tratar de questões sociais. Neste artigo vamos analisar os dados que coletamos em nosso estudo e dar uma olhada no setor financeiro na América Latina para entender suas implicações para os líderes empresariais.
2023: O ano da Polarização na América Latina
Medimos o otimismo econômico pelo número de pessoas que acreditam que elas ou suas famílias estarão em melhor situação nos próximos cinco anos. O Trust Barometer 2023, realizado em novembro de 2022, revelou que o otimismo econômico está entrando em colapso em todo o mundo, com 24 dos 28 países pesquisados apresentando mínimas históricas. A América Latina teve uma das maiores quedas observadas em nossa pesquisa global, de 71% em 2022 para 54% em 2023. Na região, as pessoas estão particularmente preocupadas com a perda de empregos (93% dos funcionários), inflação (83%), mudança climática (83%), escassez de alimentos (80%) e guerra nuclear (76%).
A lacuna de confiança existente entre governo e empresas nos países latino-americanos é mais de duas vezes maior que a média global. Também vale destacar que os países pesquisados na América Latina (Argentina, Brasil, Colômbia e México) estão entre os mais polarizados do mundo. Sessenta por cento dos entrevistados latino-americanos acreditam que seus países estão mais divididos hoje do que no passado; o percentual é alarmante no Brasil, chegando a 78%.
O alto nível de polarização que estamos vendo na região pode ser atribuído a vários fatores subjacentes. Nossa pesquisa identificou a desconfiança no governo, a falta de identidade compartilhada (conhecida como tecido social) e a injustiça sistêmica como os principais impulsionadores de um ambiente polarizado.
Nosso estudo também revelou que há uma divisão clara entre as classes sociais na maioria dos países analisados. Embora os indivíduos das classes altas tenham demonstrado níveis de confiança maiores do que os das classes baixas, todos os entrevistados apontaram para um enfraquecimento do tecido social em seus países. Na região, 73% dos entrevistados mencionaram que a civilidade e o respeito mútuo estão nos níveis mais baixos que já viram em suas vidas. Sessenta e cinco por cento acreditam que o tecido social que já manteve seu país unido é muito fraco para servir como uma das bases para a unidade e a conquista de objetivos comuns.
Observamos que essas diferenças são caracterizadas por divisões crescentes dentro dos países e as ideologias dos indivíduos estão cada vez mais ligadas à sua identidade pessoal. Na região, apenas 32% dos entrevistados mencionaram que estariam dispostos a ajudar outra pessoa necessitada se essa pessoa não tivesse os mesmos pontos de vista.
Nesse ambiente complexo, a maioria dos entrevistados expressou seu forte desejo de que o setor empresarial assuma um papel mais ativo. Mais da metade deles gostaria de ver o setor empresarial colaborando com o governo para corrigir problemas que impactam a sociedade em geral, como mudanças climáticas e desigualdade social.
O Setor Financeiro e os Níveis de Cofiança
O baixo nível de confiança prevalecente desempenhou um papel importante na recente crise vivida pelo setor financeiro. Nosso estudo revelou que este setor apresenta alguns dos níveis mais baixos de confiança, estando no penúltimo lugar, seguido pelas redes sociais na última posição.
De acordo com o Edelman Trust Barometer 2023, apenas 38% dos entrevistados globais acreditam que as empresas de serviços financeiros priorizam os interesses de todos de forma igual e justa. Além disso, os bancos centrais, que estiveram no centro de recentes falências de bancos regionais, não são confiáveis em quatro dos cinco centros financeiros globais – EUA, Reino Unido, Alemanha e Japão.
A América Latina tem enfrentado desafios macroeconômicos semelhantes aos de outros países ao redor do mundo, relacionados a expectativas de crescimento mais baixas, causadas por taxas de juros mais altas, mercado de trabalho em desaceleração e gastos do consumidor mais fracos. A queda dos preços das commodities também impactou negativamente as fontes de receita do governo e as expectativas de prosperidade econômica. A América Latina também foi afetada pelo aumento dos níveis de pobreza e insegurança alimentar associados à pandemia de Covid-19.
Dito isso, a região enfrenta volatilidade econômica há décadas, e indivíduos e instituições demonstraram resiliência e experiência em lidar com crises. O setor financeiro na América Latina também mitigou com sucesso a volatilidade da recente crise financeira nos EUA e na Europa, mas não está imune a futuras crises de confiança em parte porque está bem integrado ao sistema financeiro global. À medida que a classe média e as pequenas empresas da região lutam contra a inflação, a potencial agitação social e o progresso político vacilante são exacerbados pelo declínio da confiança e pela polarização. Essas consequências podem retardar o desenvolvimento econômico positivo alcançado pelos países da região nos últimos anos.
O Papel do Setor Empresarial
Na América Latina, assim como no resto do mundo, o setor empresarial se destaca como a instituição mais confiável, liderando com 64%. A confiança no setor dos negócios é 20 pontos superior à confiança na mídia (45 %) e 30 pontos acima da confiança no governo (37%). A confiança nas ONGs está em níveis semelhantes aos do setor empresarial, com 60% a nível de confiança.
Em geral, as empresas são percebidas como instituições competentes e éticas, sendo reconhecidas como fonte confiável de informações. De acordo com nosso estudo global, 80% dos entrevistados na região consideram seu empregador a instituição mais confiável. Por outro lado, mais da metade dos entrevistados expressou que seu governo é uma fonte de desinformação ou informações falsas.
À medida que a sociedade deposita maior confiança no setor empresarial, os líderes têm responsabilidades cada vez maiores. Cada vez mais, a sociedade espera que as empresas e suas marcas atuem para ajudar a resolver ou mitigar os problemas de desconfiança e para ajudar a construir uma identidade comum para reduzir a polarização existente. Nosso estudo revelou que as pessoas acreditam que as marcas podem contribuir para resolver a crescente falta de identidade compartilhada, que é um dos motores da polarização. Surpreendentes 76% dos entrevistados na região expressaram sua crença de que marcas que celebram interesses comuns e enfatizam a unidade contribuem para fortalecer o tecido social. Da mesma forma, 63% dos entrevistados globalmente comprariam ou defenderiam marcas com base em suas crenças e valores, enquanto uma média de 69% dos respondentes em todo o mundo consideram o impacto de uma empresa na sociedade um fator importante na busca por emprego.
Grupos considerados fatores unificadores, incluem professores (63% dizem que este grupo é uma força unificadora), líderes de ONGs (51%) e líderes empresariais (40%) são mais prováveis de serem vistos como unificadores do que divisores. A responsabilidade de construir confiança recai sobre os CEOs; o estudo revelou ainda que 65% dos colaboradores confiam no seu CEO, ficando atrás apenas dos seus colegas (73% dos funcionários) e do setor científico (79%). Além disso, espera-se que os CEOs combatam a desinformação e as notícias falsas. Um número significativo (66%) dos entrevistados da América Latina também mencionou que os CEOs têm a obrigação de defender a verdade e expor qualquer método questionável usado para justificar políticas sociais erradas, e 67% acreditam que os CEOs são obrigados a retirar os investimentos em publicidade usando plataformas que desinformam a população.
Conclusões para os Líderes na América Latina
Como a instituição mais confiável, o setor empresarial da América Latina pode ajudar a restaurar o otimismo econômico e moderar a polarização, investindo em remuneração justa, treinamento e focando nas comunidades locais para lidar com a divisão de classe em massa.
Além disso, o setor empresarial e os governos da região devem trabalhar e colaborar juntos para alcançar consensos e definir políticas e práticas de excelência. As empresas devem ser defensoras da verdade, uma vez que desempenham um papel essencial no ecossistema da informação, tornando-se uma fonte de informação confiável para promover o diálogo positivo entre as partes interessadas.
Tanto as empresas quanto os governos devem levar em consideração questões táticas relacionadas às comunicações e não ter medo de se comunicar demais. Para construir confiança, os líderes empresariais devem tornar as informações facilmente acessíveis para as partes interessadas, criando ferramentas e canais de comunicação que alcancem os principais stakeholders rapidamente e com uma mensagem simples.
Por fim, é fundamental que os líderes empresariais criem narrativas que enfatizem as iniciativas tomadas para manter ou fortalecer a posição da empresa. Isso pode ajudar a criar confiança entre os vários grupos de consumidores que têm o poder de se tornar ativistas ferrenhos de seus produtos e marcas.
Juan Carlos Gomez Stolk, Vice-Presidente – Situações Estratégias e Relações com Investidores, Edelman Smithfield
Regina Carapeto, Líder de Comunicação de Serviços Financeiros, Edelman América Latina