Em meados dos anos 1990, o influente livro “Confiança: As virtudes sociais e a criação da prosperidade”, de Francis Fukuyama, estabeleceu as bases para os estudos da confiança da sociedade e fundamentou a criação do Edelman Trust Barometer. Fukuyama defendia que apenas as sociedades com altos níveis de confiança e “capital social” (valores e laços compartilhados que transcendessem as relações familiares), apoiadas por estruturas jurídicas fortes, seriam capazes de competir com sucesso na economia global que na época se expandia. Em “O fim da história”, ele fez sua famosa afirmação de que o sistema democrático liberal havia derrotado ideologias rivais, como a monarquia hereditária, o fascismo e o comunismo, e se tornado “a forma final de governo humano”, significando, assim, “o fim da história”.
A visão de Fukuyama era válida em sua época, mas, nos 25 anos que transcorreram desde então, as antigas suposições que sustentavam seus argumentos têm sido desafiadas. O triunfo da democracia liberal e de sua sólida estrutura jurídica no pós-guerra é questionado, com dúvidas sobre a efetividade dos governos democráticos. Uma sociedade que foi construída sobre o sucesso comercial agora questiona a capacidade do capitalismo de melhorar o destino de todos, e não apenas das elites. Sociedades não democráticas tornaram-se potências econômicas globais, enquanto, nas democracias desenvolvidas, o congelamento da renda e o medo do declínio social abalam o otimismo das pessoas em relação ao futuro. Uma mídia que já defendeu orgulhosamente sua independência agora é tendenciosa e poluída por notícias falsas, o que nos força a questionar se as informações são verdadeiras. Uma dispersão da autoridade transformou o mundo hierarquizado em um mundo conduzido por pares; as pessoas agora dão mais atenção umas às outras do que aos líderes.
Essas mudanças enormes causaram a necessidade de um novo pacto de confiança entre as instituições da sociedade e as pessoas atendidas por elas. Ao longo de 20 anos estudando como a confiança é conquistada, quebrada e perdida, aprendemos que seus dois elementos essenciais são efetividade e conduta ética. Essas qualidades sempre foram fundamentais em qualquer relação de confiança. O que mudou profundamente foram as expectativas sobre o que as instituições devem fazer para cumprir essas promessas a fim de as pessoas poderem confiar nelas.
Podemos traçar o surgimento dessas novas expectativas desde nossa primeiríssima pesquisa. Concebemos o Edelman Trust Barometer em 2000 como uma resposta direta à “Batalha de Seattle”, quando organizações não governamentais invadiram a Organização Mundial do Comércio para protestar contra a globalização enquanto distribuição injusta de riquezas. A primeira sondagem entrevistou formadores de opinião nos Estados Unidos, Reino Unido, França, Alemanha e Austrália sobre sua confiança nas ONGs em comparação com a mídia, o governo e as empresas. Ficamos surpresos ao descobrir que as ONGs eram a instituição mais confiável do mundo (o que não acontece mais), uma clara indicação do descontentamento com a efetividade das lideranças tradicionais. As manifestações na OMC eram um prenúncio de cinco verdadeiros abalos sísmicos na primeira década do novo século que alterariam significativamente a confiança das pessoas:
• Preocupações com a globalização: Os aclamados benefícios do livre comércio foram suplantados pelos temores com o deslocamento econômico, com vagas de trabalho indo para mercados mais baratos. Por exemplo, os empregos na indústria dos EUA caíram mais de 28%, equivalente a quase 5 milhões de vagas, entre 2000 e 2018.
• A Guerra do Iraque: A invasão mal concebida do Iraque levou a uma destruição da confiança nos Estados Unidos e no Reino Unido, bem como em seus governos.
• Recessão global de 2008-09: Titãs empresariais globais, tais como GM, Citibank, Royal Bank of Scotland e AIG, foram obrigadas a aceitar ajuda emergencial do governo, enquanto 13 milhões de americanos perderam suas casas na crise hipotecária do subprime. O colapso foi prenunciado pelo estouro da bolha ponto.com, no final dos anos 1990, e pela retração econômica dos países desenvolvidos no início dos 2000.
• O advento das redes sociais: As mídias sociais aceleraram a deterioração do modelo tradicional da comunicação, forçando cortes drásticos em equipes de reportagem, e alimentaram uma mudança impressionante na constituição da confiança. A confiança deixou o clássico modelo vertical de cima para baixo, que dependia de líderes tradicionais como CEOs e primeiros-ministros, para um horizontal, no qual as pessoas confiam mais em amigos, parentes e “uma pessoa como eu”.
• A ascensão da China e da Índia: O Banco Mundial chamou a ascensão econômica da China de “a expansão sustentada por uma grande economia mais rápida da história”. A Índia juntou-se ao boom no final da década de 2000. Um bilhão de pessoas foram retiradas da pobreza e, ao final da década seguinte, a China, a Índia e os EUA liderariam a lista das maiores economias do mundo.
Na segunda década do século, as pessoas começaram a questionar se poderiam confiar nas instituições globais para protegê-las dos abalos secundários desses eventos – cinco tsunamis na confiança relacionados entre si que assentaram as bases do populismo e ainda estão ocorrendo atualmente:
• Divisão de classes em massa: Nos últimos anos, a confiança entre o público informado disparou para níveis recordes, enquanto o público geral continua desconfiando das instituições. Essa profunda divisão ideológica já atingiu dois dígitos em mais de dois terços dos países, abrindo amplo espaço para o nacionalismo, o protecionismo e movimentos populares de insurreição. Hoje, vemos um momento Alice no País das Maravilhas, de animação da elite e desespero das massas.
• Novas expectativas em relação a empresas e CEOs: Nos últimos dois anos, “meu empregador” classificou-se como a instituição mais confiável, com mais de 20 pontos a mais do que as empresas em geral. Isso é resultado de uma combinação entre emprego pleno e trabalhadores empoderados, que estão exigindo que as companhias sejam guiadas por valores sociais, e não simplesmente por quanto valem suas ações. Esses empregados esperam que o CEO de suas empresas se pronunciem sobre as questões do momento, desde diversidade até requalificação, o que historicamente era exclusividade do governo. Os empregados estão agindo, confrontando seus empregadores com greves e com o boicote de atribuições profissionais que não sejam consistentes com o propósito da empresa. Cidadãos organizam espontaneamente grupos de protesto, tais como os Coletes Amarelos, na França, e o Muro de Mulheres, na Índia, sem esperar que ONGs tradicionais os liderem.
• O fracasso do governo: O governo correu salvar a pátria após a Grande Recessão, e a economia se recuperou. Mas ela não se normalizou, pois os salários dos trabalhadores de renda média ficaram estagnados, enquanto a renda do 1% mais rico se multiplicava. A partir de 2012, abriu-se um abismo na opinião sobre as instituições nos EUA, no Reino Unido e na França, dando início à indignação populista contra as elites. A confiança no governo ruiu primeiro nos mercados desenvolvidos, após o impasse de Bruxelas sobre o perdão da dívida grega, e depois nos mercados em desenvolvimento, conforme uma onda de corrupção na América Latina e na África afogava autoridades eleitas (por exemplo, o escândalo de propinas em torno da Odebrecht, conglomerado brasileiro do setor de construção). As únicas exceções continuam sendo as economias estatais, como a China e os Emirados Árabes, onde a confiança no governo é alta.
• A batalha pela verdade: A crescente dependência nas mídias sociais como fonte primária de informação fez com que a experiência individual ofuscasse o conhecimento especializado como a base de conteúdos. As mídias sociais ocasionaram uma epidemia de fake news que agora está prejudicando as instituições democráticas. O público tem opiniões cada vez mais extremas, voltando-se a bolhas de pensamento que reforçam pressupostos e preconceitos. As notícias falsas também aumentaram os níveis tanto de ceticismo quanto de ingenuidade; o conteúdo responsável combate ambos.
• Domínio do medo sobre o otimismo: Apesar do emprego quase pleno na maior parte dos países, a maioria dos entrevistados não acredita que eles e suas famílias estarão em melhor condição daqui a cinco anos. Oitenta e três por cento do público geral receia perder o emprego; 58% desse público acredita não estar qualificado o suficiente para os empregos do futuro. O aumento do populismo nos últimos anos é uma resposta dos trabalhadores ao governo por manejar mal esses e outros temores, incluindo a globalização e a desigualdade de renda.
Esses abalos poderosos no sistema tornam necessário fazer o modelo de confiança de Fukuyama evoluir para um novo pacto de confiança. Vinte anos de transgressões éticas – corrupção governamental e empresarial, propinas, fake news – e dúvidas de que nossas instituições sejam capazes de nos guiar para o futuro levaram a um desejo urgente de mudança (73% globalmente). No novo pacto de confiança, a propensão das pessoas a confiar baseia-se em quanto elas acreditam que as instituições resolvam as coisas e façam o que é certo.
O pacto tem dois elementos. Primeiramente, a confiança deve ser construída por meio da participação. As pessoas esperam ter suas vozes ouvidas e ser chamadas para ajudar a traçar a trajetória futura de uma instituição. No que se refere às empresas, elas querem influenciar o desenvolvimento de produto, a cadeia de suprimentos, a sustentabilidade e políticas que promovam diversidade e inclusão. A confiança é fundada na transparência e na flexibilidade, e é continuamente moldada pelo que os stakeholders dão e recebem.
Em segundo lugar, a confiança tornou-se localizada. As pessoas com maior credibilidade agora são “meu empregador” e, depois dos cientistas, “os concidadãos de meu país e de minha comunidade”. As multinacionais precisam se transformar em multilocais, expressando iniciativas globais em termos locais, conscientes de fragilidades políticas e históricas, e internalizando a manufatura local. Empregados e pares estão entre as vozes mais fiáveis para desenvolver a confiança em seus esforços.
Nenhuma instituição pode fazer isso sozinha. A requalificação profissional deve ser uma responsabilidade mútua de empresas e governos. Mídia, empresas e governo precisam unir forças para lutar e vencer a batalha pela verdade e garantir que as pessoas recebam as informações de qualidade necessárias para tomarem boas decisões em suas vidas. As ONGs podem ajudar as outras instituições a abraçar o “novo poder” de movimentos espontâneos que estão provocando mudanças ao redor do mundo.
“Não podemos viver apenas para nós mesmos”, escreveu Herman Melville, autor de “Moby Dick”. “Mil fibras nos conectam com nossos semelhantes; e, entre essas fibras, como fios simpáticos, nossas ações correm como causas e voltam para nós como efeitos.” A confiança é o laço que nos une em nossa busca comum por um futuro melhor.
Richard Edelman é CEO da Edelman.